“Capoeira Angola é, antes de tudo, luta, e luta violenta.”
- Mestre Pastinha (1889 - 1981)
Diferente do que se imagina, Capoeira não é dança, não é luta, não é cultura e não é música. Capoeira é a mistura de todos esses elementos que resultou no que hoje é mundialmente conhecido como a arte marcial brasileira.
Nas últimas duas décadas, a Capoeira deixou de ser praticada apenas no Brasil para ganhar o mundo. Devido às técnicas desenvolvidas por grandes mestres, o esporte passou a ser visto e respeitado como uma das lutas mais técnicas e perigosas entre as artes marciais, ainda que aqui, muitos dos que não conhecem o esporte acabam chamando a Capoeira de “dancinha”.
Link YouTube | O golpe usado é a meia-lua de compasso. Ouch.

"Capoeira é um estilo de vida, um estado de espírito(...)"

Por ter passado cerca de quatro séculos como prática ilegal e clandestina, muito pouco se sabe sobre a real origem da Capoeira. Por muito tempo, acreditou-se que o esporte começou a ser praticado na África, mas, graças a pesquisas feitas por estudiosos como o professor Inezil Pereira Marinho, concluiu-se que, de fato, a Capoeira nasceu em solo brasileiro.
O esporte começou a ser praticado por negros escravos como uma forma de defesa e resistência à violência dos senhores de engenho. Os fazendeiros proibiam a prática por diversos motivos:

  • A arte marcial acabava tornando seus praticantes jogadores ágeis e perigosos

  • Muitas vezes, fazia com que os escravos se machucassem, o que era economicamente indesejado
Como uma forma de ludibriar seus senhores, os praticantes acabaram adaptando os golpes à músicas com levadas africanas para que a luta se passasse por uma dança.
Esse foi apenas o início da Capoeira na forma como é conhecida hoje, um esporte que integra cultura, disciplina, força, espírito de grupo, malandragem e ritmo. Os jogadores mais antigos se denominavam apenas capoeiras, pois, de acordo com a cultura, Capoeira é um estilo de vida, um estado de espírito tão interligado com seus praticantes que transcende nomenclaturas como capoeirista ou lutador.

Toma tento, rapá! | Crédito: taneuska
A partir do início do século XIX, a perseguição aos capoeiras se tornou ainda mais intensa e violenta. Antes incomodados apenas por senhores de engenhos e seus capatazes, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, os capoeiras tiveram que começar a fugir da polícia. Durante cerca de 100 anos a Capoeira foi praticada às escondidas, enquanto seus adeptos, quando capturados, eram presos ou castigados com chibatadas em praça pública.
Mesmo criminalizada, a força e a técnica dos capoeiras sempre foi reconhecida. Em 1828, por exemplo, as autoridades brasileiras tiveram que apelar para a ajuda dos capoeiras para conseguirem conter a Revolta dos Mercenários, fato que se repetiu ainda durante a Guerra do Paraguai , quando o governo brasileiro convocou os capoeiras para lutarem no front em troca de liberdade.
Apesar da pressão, a Capoeira sobreviveu à marginalidade e durante o governo Vargas deixou de ser ilegal. Em 1937, o baiano Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, fundou a primeira academia oficial do esporte no Brasil. Era o começo do que a Capoeira se tornaria 70 anos depois.

Mestre Pastinha e Mestre Bimba, os pais da Capoeira.

Atualmente, existem dois principais estilos de se jogar Capoeira, Angola e Regional. Para entender como essas duas correntes foram desenvolvidas, é preciso conhecer seus dois criadores: Mestre Pastinha e Mestre Bimba.
Mestre Pastinha, tinhoso.
Nascido e criado em Salvador, Vicente Joaquim Ferreira Pastinha conheceu a Capoeira graças a um velho africano a quem ele chamava de Tio Benedito. Depois de ver o jovem Pastinha apanhando de um valentão da vizinhança, o velho o convidou para treinar Capoeira. Não deu outra, aos 13 anos, o ex-magricela Pastinha era o garoto mais temido e respeitado da área. Mestre Pastinha jogou Capoeira durante quase toda sua vida e, em 1941, fundou sua academia de Capoeira Angola.
O estilo é o mais tradicional e similar à Capoeira jogada pelos escravos. A filosofia de Mestre Pastinha prezava pelo desenvolvimento da criatividade de seus alunos. Os movimentos são soltos e leves e a ginga é baseada na mandinga e na malandragem do capoeira. Os braços ficam livres e os movimentos são usados de forma para ludibriar o oponente. Entretanto, mesmo sendo mais devagar, a maior parte dos praticantes dizem que seu treino é o mais difícil e cansativo por, principalmente, trabalhar a resistência e os músculos lombares.

A Capoeira Regional ganhou o mundo

Filho de um campeão de Batuque, uma espécia de luta-livre comum na Bahia durante o século XIX, Mestre Bimba, depois de conhecer a Capoeira Angola, achava que o esporte precisava de uma nova roupagem e se adaptar às técnicas das outras lutas que surgiam mundo afora. Assim, Mestre Bimba criou a Capoeira Regional, uma luta rápida, disciplinada e muito mais técnica do que a Capoeira Angola.
Para desenvolver o estilo, Mestre Bimba buscou em outras artes marciais, principalmente no Batuque, alguns dos movimentos para a nova Capoeira que surgia. A Regional foi a responsável por popularizar a Capoeira mundialmente. O nome de Mestre Bimba é conhecido em mais de 70 países hoje.
Acredita-se que cerca de 11 golpes da sequência básica desenvolvida por Mestre Bimba podem ser fatais.
Mas a violência nunca foi a intenção do mestre. Baseado na disciplina, na integração entre corpo e mente e na adoção de hábitos saudáveis, Mestre Bimba desenvolveu um método de ensino dos mais rígidos. Seus alunos eram proibidos de beber, fumar, brigar e deveriam treinar os movimentos básicos da Capoeira todos os dias.
Link Youtube | No fim das contas, a Capoeira tem o chute mais efetivo

Paranauê o caramba!

A música na Capoeira vai muito além do famoso “Paranauê” e do “Zum-zum-zum”, hits consagrados pelo filme Esporte Sangrento. A música na Capoeira é simplesmente essencial. Sem sua música, não existe.
Comandada pelo som do Berimbau, a bateria de uma roda – formada ainda por atabaques, pandeiro e agogô – é o que dita o ritmo em que os capoeiras vão jogar, o estilo dos movimentos e a velocidade dos golpes.
A música é também a principal forma de transmissão da tradição e da cultura da Capoeira. Jogadores lendários como Manduca da Praia e Besouro, além dos Mestres Bimba e Pastinha, têm seus feitos cantados em coro nas rodas de Capoeira, deixando seus nomes registrados na história do esporte.
Link YouTube | Vídeo histórico, vale mesmo com áudio ruim.
Graças a tudo isso, a cada ano a Capoeira ganha mais adeptos, que são atraídos pelo ritmo, pela cultura e pela garantia de fortalecimento do corpo. Após 500 anos, seu valor como arte marcial foi finalmente reconhecido.
Hoje, por exemplo, cresce o número de lutadores profissionais que, juntamente aos outros praticantes do esporte, sabem que a Capoeira é muito mais do que só uma dancinha.

publicado em 14 de Setembro de 2010, 20:05
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